A CARIDADE QUE ESCRAVIZA
Como elites lucram com a miséria das nações. Há uma filantropia que empobrece e uma caridade que acorrenta. É necessário entender a verdade para sermos verdadeiramente livres
Há uma filantropia que empobrece e uma caridade que acorrenta. Quando George Soros apostou dez bilhões de dólares contra a libra esterlina naquela quarta-feira de setembro de 1992, não praticava especulação comum. Demonstrava, para quem tivesse olhos de ver, o mecanismo pelo qual fortunas colossais se erguem sobre as ruínas de países inteiros. O mesmo homem que embolsou um bilhão de dólares em vinte e quatro horas, destruindo a moeda de uma das nações mais antigas do Ocidente, financia hoje movimentos políticos em toda a América Latina cujo efeito prático, intencional ou não, consiste em criar as condições macroeconômicas que permitem repetir a operação. Isso não é teoria da conspiração. É modelo de negócios.
O padrão antigo: da usura medieval ao especulador moderno
A história do poder financeiro sobre as nações é tão velha quanto a própria ideia de crédito. Os Cavaleiros Templários, aqueles monges guerreiros que protegiam peregrinos na Terra Santa, inventaram no século 12 o que hoje chamamos de letra de câmbio. Um peregrino depositava ouro em Paris, recebia um documento e sacava a quantia equivalente em Jerusalém. Genial. Também lucrativo. Tão lucrativo que Filipe IV da França, devedor contumaz da Ordem, decidiu que era mais fácil queimar os credores do que pagar a dívida. Em 1307 mandou prender os Templários; em 1314, Jacques de Molay morreu nas chamas. O mecanismo sobreviveu.
Os Médici de Florença aperfeiçoaram a arte de financiar príncipes e papas, transformando dívida em influência política. Cosimo de Médici financiou o Concílio de Florença em 1439, que tentou reunificar as igrejas do Oriente e do Ocidente. O motivo não era teológico, e sim comercial: o controle das rotas de comércio com Bizâncio. Seu neto Lorenzo, o Magnífico, tornou-se árbitro da política italiana sem jamais ocupar cargo oficial. O poder real dispensava títulos.
Os Fugger de Augsburgo bancaram a eleição de Carlos V como Sacro Imperador Romano em 1519, cobrando depois monopólios comerciais e concessões minerais na América espanhola. Qualquer semelhança com a realidade atual das terras raras do mundo é mera reincidência. Jakob Fugger, o Rico, emprestou 543 mil florins para subornar os eleitores imperiais. Quando Carlos V hesitou em pagar, Fugger escreveu uma carta que encerra toda uma filosofia: “É notório e claro como a luz do dia que Vossa Majestade Imperial não teria obtido a coroa romana sem minha ajuda.” O imperador pagou.
Os genoveses sucederam os alemães como banqueiros da Coroa espanhola, financiando guerras contra protestantes e turcos. Quando Felipe II declarou bancarrota em 1575, os banqueiros simplesmente renegociaram os termos e continuaram emprestando. A Espanha perdeu a Holanda, mas os banqueiros preservaram seus créditos.
No século 19, a família Rothschild elevou o ofício a uma forma de arte geopolítica. Nathan Mayer Rothschild, instalado em Londres, recebeu a notícia da derrota de Napoleão em Waterloo antes do próprio governo britânico. Usou a informação para fazer fortuna no mercado de títulos. A lenda diz que primeiro vendeu, criando pânico, depois comprou a preços de liquidação. Verdade ou não, o episódio ilustra o princípio: informação é poder, e poder se converte em dinheiro.
Os cinco filhos de Mayer Amschel Rothschild, espalhados por Frankfurt, Londres, Paris, Viena e Nápoles, criaram a primeira rede financeira verdadeiramente internacional. Financiaram guerras e reconstruções, sempre dos dois lados quando possível. Nathan financiou Wellington; seu irmão James financiou os Bourbons restaurados. Quando os gregos lutaram pela independência contra o Império Otomano, Rothschilds emprestaram para ambos. O resultado da guerra era secundário. O pagamento da dívida, não.
Seria ingenuidade supor que o padrão desapareceu. Mudaram os nomes, sofisticaram-se os instrumentos, multiplicaram-se os zeros nas planilhas. A essência permanece: dinheiro flui para movimentos que expandem Estados, endividam governos e criam oportunidades de lucro através de juros, inflação e apostas contra moedas fragilizadas. O que os Templários faziam com pergaminho e lacre, os fundos de hedge fazem com algoritmos e derivativos. A velocidade aumentou. A natureza humana, não.
A quarta-feira negra: anatomia de um golpe financeiro
O episódio de 16 de setembro de 1992, que os ingleses chamam de Quarta-Feira Negra, merece exame detalhado porque ilustra com precisão cirúrgica o mecanismo que nos interessa. A Grã-Bretanha havia aderido ao Mecanismo de Taxas de Câmbio Europeu, comprometendo-se a manter a libra dentro de uma banda de flutuação contra o marco alemão. O problema é que a economia britânica não sustentava a paridade. A inflação era três vezes superior à alemã. O déficit em conta corrente alcançava quatro por cento do produto interno bruto. A libra estava, como se diz no jargão, sobrevalorizada.
Soros enxergou a contradição e montou sua operação. Através do Quantum Fund, construiu uma posição vendida de dez bilhões de dólares contra a libra. O mecanismo técnico, embora sofisticado em sua execução, é simples de explicar: tomou emprestado Libras em quantidade astronômica, converteu-as imediatamente em marcos alemães através de contratos futuros e operações de balcão e aguardou o colapso inevitável. Se a libra mantivesse a paridade, perderia apenas os custos de financiamento. Se quebrasse, lucraria a diferença. A assimetria risco-retorno era flagrante.
O Banco da Inglaterra gastou vinte e sete bilhões de libras tentando defender a moeda. Elevou a taxa de juros de dez para doze por cento pela manhã, depois para quinze por cento à tarde. Era como tentar esvaziar o oceano com balde. Às sete da noite, o chanceler do Erário, Norman Lamont, rendeu-se. A libra foi retirada do mecanismo europeu e depreciou 15% contra o marco, 25% contra o dólar. Documentos liberados pelo Tesouro Britânico em 2005, através da Lei de Liberdade de Informação, confirmam perdas oficiais de 3,3 bilhões de libras. Soros embolsou aproximadamente um bilhão. Em um dia.
O detalhe relevante para nossa análise: o mesmo especulador que lucrou destruindo a moeda britânica havia fundado, em 1984, a primeira fundação internacional na Hungria, embrião do que se tornaria a Open Society Foundations, cujo propósito declarado é promover “democracia” e “sociedade aberta” em países ao redor do mundo. A fundação recebeu o nome em homenagem ao livro de Karl Popper, filósofo austríaco que Soros diz admirar. Há ironia considerável no fato de que a “sociedade aberta” de Popper foi concebida como antídoto contra o totalitarismo, enquanto a de Soros financia movimentos que, onde quer que cheguem ao poder, expandem o Estado, aumentam impostos, multiplicam as regulações e criam exatamente o tipo de fragilidade macroeconômica que especuladores exploram.
A crise asiática de 1997 replicou o padrão em escala continental. O baht tailandês, atrelado ao dólar desde 1984, enfrentava déficit em conta corrente de 7% a 8% do produto interno bruto e dívida externa de curto prazo excessiva. Especuladores identificaram a vulnerabilidade e construíram posições vendidas. O Banco da Tailândia gastou 24 bilhões de dólares, dois terços de suas reservas, defendendo a moeda antes de ser forçado a flutuar em 2 de julho de 1997. O baht depreciou de 25 para 56 por dólar até janeiro de 1998. O contágio atingiu Malásia, Indonésia e Coreia do Sul, gerando pacotes do Fundo Monetário Internacional totalizando 118 bilhões de dólares. Milhões de asiáticos perderam empregos e poupanças. Alguns especuladores fizeram fortunas.
A rede de fundações: filantropia como investimento de longo prazo
Os números são públicos, disponíveis nos formulários fiscais que organizações sem fins lucrativos são obrigadas a apresentar ao fisco americano. A Open Society Foundations gastou 1,2 bilhão de dólares em 2024, dos quais 117 milhões foram direcionados à América Latina e ao Caribe. O Brasil figura entre os países prioritários, ao lado da Colômbia e do México. Os escritórios regionais operam no Rio de Janeiro, em Bogotá e na Cidade do México.
As organizações financiadas seguem um padrão ideológico consistente. No Brasil, a lista inclui a Iniciativa Marielle Franco (1,25 milhão de dólares em 2018), o Fundo Baobá (três milhões em parceria com a Fundação Ford), a Conectas Direitos Humanos, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Os temas são previsíveis: justiça racial, direitos identitários, proteção ambiental, reforma da política de drogas, reforma da justiça criminal. Nenhuma dessas organizações, curiosamente, advoga por disciplina fiscal, controle de gastos públicos ou redução do aparato estatal. Todas advogam por mais Estado, mais regulação, mais redistribuição, mais poder para burocratas e menos para cidadãos e empresas.
A Fundação Ford, criada em 1936 pelo filho de Henry Ford, possui dotação de dezesseis bilhões de dólares e concede entre setecentos milhões e 1,1 bilhão anualmente. Investiu 69,6 milhões de dólares no Brasil entre 2020 e 2024, tornando o país o maior receptor de recursos no chamado Sul Global. A história da fundação é instrutiva. Edsel Ford criou-a inicialmente para evitar impostos sobre herança e manter o controle familiar da Ford Motor Company. Após sua morte e a de Henry Ford, a fundação herdou noventa por cento das ações sem voto da empresa, tornando-se a maior filantropia do mundo.
O que aconteceu depois ilustra um padrão recorrente. Os administradores profissionais que assumiram a gestão transformaram a fundação em veículo de causas progressistas que Henry Ford, notório anticomunista, teria abominado. Henry Ford II renunciou ao conselho em dezembro de 1976, criticando o que chamou de “subtextos anticapitalistas” nas políticas de concessão de recursos. Sua carta de renúncia observava que a fundação existia graças ao sistema capitalista que seus funcionários pareciam empenhados em destruir. O neto, Henry Ford III, retornou ao conselho em 2019, aparentemente reconciliado com a orientação ideológica. A fundação continua financiando organizações que, se obtiverem sucesso em suas agendas, tornarão o Brasil menos atraente para investimentos produtivos e mais dependente de financiamento externo.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, conhecida pela sigla USAID, alocou 2,3 bilhões de dólares para a América Latina e o Caribe em 2024. A Colômbia recebeu entre 413 e 490 milhões, sendo o maior receptor no hemisfério ocidental. Aproximadamente um quarto dos recursos destina-se à implementação do acordo de paz com as antigas guerrilhas das FARC. O Brasil recebeu cerca de trinta milhões, direcionados principalmente a programas na Amazônia e ao apoio a comunidades indígenas. A Venezuela recebeu entre 45 e 50 milhões para “programas de democracia”, o que quer que isso signifique em um país onde as eleições são farsas e a oposição é presa ou exilada.
O Fundo Nacional para a Democracia, criado pelo Congresso americano em 1983, opera com orçamento anual de trezentos milhões de dólares por meio de quatro institutos principais: um afiliado ao Partido Democrata, outro ao Republicano, um terceiro focado em mercados livres e um quarto em direitos trabalhistas. A estrutura bipartidária confere aparência de neutralidade, mas os recursos fluem predominantemente para organizações alinhadas com a agenda progressista internacional. Cuba recebeu 6,6 milhões em 2024 para mídia independente e ativistas. A Venezuela, 3,4 milhões para sociedade civil e monitoramento eleitoral.
As agências europeias completam o quadro. A cooperação sueca oferece garantia de 250 milhões de dólares para conservação amazônica. A Noruega, através da Iniciativa Internacional de Clima e Florestas, priorizou Brasil, Colômbia, Peru e Equador. O Brasil foi o maior receptor de ajuda norueguesa por quatro anos consecutivos. A cooperação alemã opera 151 projetos em onze países latino-americanos, totalizando 776 milhões de euros. O Brasil lidera com 51 projetos e 167 milhões de euros. A Fundação Rockefeller anunciou abertura de escritório na Colômbia em 2025 como parte de compromisso de mais de um bilhão de dólares em cinco anos para “transição climática”.
Seria ingenuidade supor que todo esse dinheiro flui por puro altruísmo. A pergunta incômoda que ninguém faz é: por que bilionários que lucram com instabilidade financeira financiam movimentos que criam instabilidade financeira? A resposta pode ser simples coincidência. Pode também ser modelo de negócios sofisticado, onde a filantropia de hoje prepara o terreno para a especulação de amanhã.
O laboratório latino-americano: onde teorias viram tragédia
A América Latina oferece campo fértil para observar a correlação entre governos de orientação esquerdista, deterioração econômica e oportunidades de lucro para especuladores internacionais. Os dados são eloquentes e dispensam interpretação ideológica.
O Brasil pratica hoje a taxa básica de juros mais alta desde julho de 2006. A Selic em quinze por cento, combinada com inflação de 4,46 por cento, oferece retorno real superior a dez por cento ao ano para detentores de títulos públicos brasileiros. A dívida pública federal alcançou 7,3 trilhões de reais ao final de 2024, equivalente a 78 por cento do produto interno bruto. Noventa e cinco por cento dessa dívida está denominada em reais, através de instrumentos como o Tesouro Selic, o Tesouro IPCA e o Tesouro Prefixado. Quem detém essa dívida lucra extraordinariamente com a combinação de juros altos e moeda relativamente estável.
O mecanismo do chamado “carry trade” amplifica o fenômeno. Investidores tomam emprestado em moedas com juros baixos, como o iene japonês ou o franco suíço, e aplicam em moedas de juros altos, como o real brasileiro ou o peso mexicano. O índice de operações desse tipo calculado pela agência Bloomberg subiu mais de dez por cento em 2025, com moedas latino-americanas oferecendo diferencial médio de 3,7 pontos percentuais sobre referências globais. Traduzindo para o português: enquanto o brasileiro comum sofre com inflação e desemprego, fundos internacionais embolsam retornos extraordinários apostando na nossa miséria.
Entre os maiores fundos especializados em dívida de países emergentes encontram-se o fundo de títulos emergentes da PIMCO, com 1,39 bilhão de dólares em ativos, diversos fundos da BlackRock com exposição ao espectro completo de dívida emergente e o fundo de títulos emergentes administrado por Michael Hasenstab na Franklin Templeton. Esses gestores beneficiam-se diretamente da combinação entre juros elevados e instabilidade controlada.
A Argentina representa o caso extremo de predação financeira internacional. O país enfrentou 23 programas do Fundo Monetário Internacional ao longo de sua história e protagonizou o maior calote soberano do mundo até 2001, quando deu default em algo entre 82 e 93 bilhões de dólares. Nas reestruturações de 2005 e 2010, noventa e três por cento dos credores aceitaram receber cerca de trinta centavos por dólar. Os sete por cento restantes recusaram. Entre eles, o fundo Elliott Management, de Paul Singer, que havia adquirido títulos no mercado secundário a aproximadamente 27 centavos por dólar.
O que se seguiu foi uma saga judicial de quinze anos que ilustra o funcionamento do sistema. Singer perseguiu ativos argentinos pelo mundo através de tribunais em Nova York, Londres, Gana e dezenas de outras jurisdições. Em outubro de 2012, obteve ordem de tribunal ganense para apreender o navio-escola ARA Libertad, símbolo da marinha argentina, que ficou retido no porto de Tema por dois meses. A Suprema Corte americana decidiu em junho de 2014 que a Argentina não estava imune a processos de descoberta de ativos extraterritoriais, abrindo caminho para que Singer perseguisse qualquer bem argentino fora do país.
O acordo de fevereiro de 2016, mediado por um funcionário judicial especial, resultou em pagamento de 4,65 bilhões de dólares para quatro fundos principais. O NML Capital, subsidiária do Elliott, recebeu aproximadamente 2,28 bilhões. Considerando o investimento original estimado entre 49 e 177 milhões de dólares, o retorno documentado foi de 370 a 1.180 por cento. Paul Singer multiplicou seu investimento entre dez e vinte vezes em quinze anos de litígio. Fundou seu fundo em 1977 com 1,3 milhão de dólares. Sua fortuna pessoal em setembro de 2025 era estimada em 6,7 bilhões.
A Venezuela oferece o exemplo mais trágico de destruição econômica e oportunismo predatório. Nada melhor do que números para provar isso. A inflação de 2018 alcançou 130.060% segundo o próprio banco central venezuelano. Estimativas independentes ultrapassam um milhão por cento em 2019. A produção petrolífera caiu de 3,5 milhões de barris diários na década de 1990 para 400.000 em 2020. O produto interno bruto encolheu 80% em menos de uma década. Mais de 90% da população caiu abaixo da linha de pobreza. A moeda foi redenominada três vezes desde 2008, removendo 14 zeros. Números de tragédia.
Enquanto venezuelanos comuns enfrentam escassez de alimentos e medicamentos, fazem fila por horas para comprar pão e emigram aos milhões para diversos países mundo afora, atores estrangeiros adquirem ativos a preços de liquidação. A China emprestou cerca de sessenta bilhões de dólares ao país, tornando-o o maior receptor global de crédito chinês. Os empréstimos eram lastreados em petróleo: a estatal venezuelana vendia óleo para a estatal chinesa, os recursos eram depositados em conta controlada pelo banco chinês, e o banco retinha o serviço da dívida antes de liberar qualquer quantia para o governo de Caracas. A China parou novos empréstimos em 2016 e concedeu múltiplas moratórias. O investimento é amplamente considerado fracassado, mas os chineses ao menos garantiram fornecimento de petróleo a preços favoráveis durante anos.
A estatal russa Roszarubezhneft opera campos petrolíferos venezuelanos responsáveis por doze por cento da produção nacional. A americana Chevron administrava quatro empreendimentos conjuntos, até 2025, que produzem duzentos mil barris diários. Em maio de 2024, a China Concord assinou um acordo de 1 bilhão de dólares para desenvolver campos adicionais. A tragédia de um povo é a oportunidade de investidores bem posicionados.
O “Buen Vivir” de Alex Soros: a transição geracional da pilhagem
Em dezembro de 2022, Alex Soros, filho de George, assumiu a presidência do conselho da Open Society Foundations. O foco declarado da nova gestão é a América Latina. O jovem herdeiro fala em “buen vivir”, conceito andino que designa harmonia com a natureza e bem-estar coletivo. A ironia seria cômica se não fosse trágica: quem lucra com a miséria alheia promove filosofias de vida simples para povos empobrecidos. Que os latino-americanos vivam em harmonia com a natureza e em comunidades sustentáveis enquanto os Soros vivem em mansões nos Hamptons e apartamentos em Manhattan.
A transição geracional nas grandes fortunas filantrópicas merece atenção porque revela a perpetuação do sistema. Os fundadores, como regra, construíram riqueza através de atividade produtiva ou especulativa direta. George Soros fez fortuna apostando contra moedas de países mal administrados. Seja o que for que se pense de sua ética, há pelo menos competência técnica envolvida. Os herdeiros, educados em universidades de elite e cercados por consultores ideológicos, transformam o capital em instrumento de engenharia social. Não precisam mais especular diretamente. O dinheiro acumulado explorando fragilidades econômicas financia agora movimentos que criam novas fragilidades. O ciclo se perpetua em piloto automático.
Mark Malloch-Brown, nomeado presidente da Open Society em janeiro de 2021, exemplifica o perfil do gestor profissional dessas estruturas. Funcionário de carreira das Nações Unidas, ocupou cargos no Programa de Desenvolvimento da ONU e no gabinete do secretário-geral Kofi Annan. Transitou depois para o setor privado e para a política britânica, onde recebeu título de nobreza e assento na Câmara dos Lordes. Conhece os corredores do poder internacional como poucos. Sabe exatamente onde aplicar recursos para obter retorno político máximo. Sua nomeação para a Open Society não foi acidental. Foi investimento em expertise.
A hipocrisia como sistema: paraísos fiscais para mim, impostos para você
Os Panama Papers, vazados em 2016, expuseram 11,5 milhões de registros financeiros do escritório panamenho Mossack Fonseca. Foram identificadas 214 mil entidades offshore conectadas a mais de duzentos países. Doze chefes de Estado ou ex-chefes de Estado apareciam na lista, incluindo o primeiro-ministro da Islândia, que renunciou após protestos, o presidente da Ucrânia e o rei da Arábia Saudita. A elite global, que prega austeridade para os outros, pratica generosidade consigo mesma.
Os Paradise Papers, vazados no ano seguinte, revelaram 13,4 milhões de documentos do escritório Appleby, especializado em estruturas offshore para clientes de alta renda. Apareciam estruturas de planejamento tributário de corporações como Apple, Nike e Facebook. A rainha Elizabeth II, aquela mesma que representava a permanência e a estabilidade do Ocidente, mantinha aproximadamente treze milhões de dólares em fundos nas Bermudas e nas Ilhas Cayman. A monarca que simbolizava a tradição britânica utilizava os mesmos mecanismos de evasão fiscal que qualquer bilionário do Vale do Silício.
Seu filho Andrew, o príncipe que frequentava a ilha de Jeffrey Epstein e cujas fotografias com uma das vítimas do traficante de menores circularam pelo mundo, movimentava recursos por estruturas igualmente opacas. A família real britânica, que supostamente encarna valores de honra e serviço público, revelava-se tão hábil quanto qualquer oligarca russo na arte de esconder patrimônio. A diferença é que os oligarcas não fingem ser exemplos morais para a humanidade.
Os mecanismos de proteção patrimonial são sofisticados e, na maioria dos casos, perfeitamente legais. Os chamados “dynasty trusts”, ou fundos de dinastia, permitem transferir riqueza entre gerações minimizando impostos sobre herança. A isenção americana em 2025 alcança 13,99 milhões de dólares por pessoa, quase 28 milhões por casal. Acima desse valor, a alíquota marginal é de quarenta por cento, mas estruturas bem desenhadas permitem contornar o limite.
As empresas de responsabilidade limitada de Delaware, estado americano que funciona como paraíso fiscal doméstico, não pagam imposto de renda estadual para beneficiários de fora do estado e oferecem forte proteção contra credores. Fundações privadas permitem dedução imediata do imposto de renda e crescimento livre de impostos dentro da estrutura, desde que distribuam cinco por cento do patrimônio anualmente para fins “filantrópicos”. A definição de filantropia, convenientemente, inclui praticamente qualquer coisa que o doador deseje financiar.
O padrão é sempre o mesmo: os muito ricos defendem impostos elevados para os outros enquanto protegem seu próprio patrimônio em jurisdições favoráveis. Financiam movimentos que advogam por expansão do Estado e redistribuição de renda enquanto mantêm fortunas pessoais fora do alcance de qualquer fisco. Pregam água e bebem vinho, como se dizia antigamente. A diferença é que agora o vinho custa milhares de dólares a garrafa e é consumido em iates registrados nas Ilhas Virgens Britânicas.
O Fórum de Davos e a fábrica de líderes globais
O Fórum Econômico Mundial, fundado em 1971 pelo engenheiro alemão Klaus Schwab, reúne anualmente cerca de mil multinacionais com faturamento superior a cinco bilhões de dólares. A taxa de adesão para membros individuais é de aproximadamente 52 mil dólares por ano, mais dezenove mil de entrada. Para parceiros de indústria, 263 mil anuais. Para parceiros estratégicos, 628 mil. O encontro anual em Davos, na Suíça, tornou-se símbolo do que críticos chamam de “globalismo”: a ideia de que problemas mundiais exigem soluções coordenadas por elites transnacionais, acima de governos eleitos e soberanias nacionais.
Em junho de 2020, Schwab lançou a iniciativa do “Grande Reset” em parceria com o então príncipe Charles da Inglaterra, hoje rei Charles III. O projeto propõe três componentes: avançar a “economia de stakeholders” em substituição ao capitalismo tradicional centrado no acionista; construir de forma mais resiliente usando métricas ambientais, sociais e de governança; e aproveitar as inovações da chamada Quarta Revolução Industrial, incluindo inteligência artificial, biotecnologia e automação. Críticos enxergam no projeto a tentativa de usar crises como pretexto para reestruturar a economia global segundo princípios que beneficiam grandes corporações em detrimento de pequenos empresários e trabalhadores.
O programa de Jovens Líderes Globais, fundado em 2004 com 1 milhão de dólares do Prêmio Dan David, seleciona cerca de cem indivíduos anualmente entre 30 e 40 anos de idade. A lista de ex-alunos é reveladora: Emmanuel Macron, presidente da França; Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, que renunciou abruptamente em 2023; Sanna Marin, ex-primeira-ministra da Finlândia, fotografada em festas durante a pandemia enquanto impunha restrições severas à população; Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, selecionado em 2009 quando tinha apenas 24 anos; Eduardo Leite, atual governador do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. E muitos outros.
Esses líderes, formados em seminários do Fórum, tendem a compartilhar visões notavelmente semelhantes sobre governança global, mudança climática e papel do Estado na economia. Coincidem em defender mais regulação, mais coordenação internacional, mais poder para organizações supranacionais. Coincidem em desconfiar de soberanias nacionais, fronteiras, tradições locais e democracia direta. O Fórum nega que seja fábrica de líderes ou que exerça influência sobre políticas nacionais. A negação seria mais convincente se os ex-alunos não ocupassem tantos cargos públicos mundo afora.
A China e a nova face do gloBaalismo eurasiano
A Iniciativa Cinturão e Rota, lançada em 2013 pelo presidente Xi Jinping, representa a versão chinesa do mecanismo de financiamento que analisamos. Segundo pesquisa da Universidade William and Mary, a China comprometeu mais de 2,2 trilhões de dólares através de mais de 30 mil projetos em mais de 200 países desde o ano 2000. Os empréstimos médios anuais superam os americanos na proporção de 2 para 1.
Os termos documentados são menos favoráveis que os de instituições multilaterais tradicionais. A taxa de juros média alcança 4,2%, superior à praticada pelo Banco Mundial para países de renda média. O período de carência, durante o qual apenas juros são pagos, é inferior a 2 anos, contra 5 a 10 anos nos empréstimos multilaterais. A maturidade média não chega a 10 anos, contra 15 a 20 anos no Banco Mundial. Quase metade dos empréstimos, representando 418 bilhões de dólares, são garantidos por colaterais, frequentemente recursos naturais ou infraestrutura estratégica.
O caso do porto de Hambantota, no Sri Lanka, tornou-se emblema do que críticos chamam de “diplomacia da armadilha da dívida”. Os fatos documentados, contudo, são mais complexos que a narrativa simplificada repetida na mídia ocidental. O projeto foi iniciado em 2007, antes da Iniciativa Cinturão e Rota, por iniciativa do presidente cingalês Mahinda Rajapaksa, que desejava desenvolver sua região natal no sul da ilha. Os empréstimos do banco chinês Eximbank totalizaram 1,12 bilhão de dólares em cinco parcelas entre 2007 e 2014, com taxas entre dois e 6,3 por cento.
Em 2017, enfrentando crise de balança de pagamentos, o Sri Lanka arrendou 85% das operações comerciais do porto para a China Merchants Port Holdings por 99 anos, recebendo 1,12 bilhão de dólares. A narrativa ocidental apresenta isso como “tomada” chinesa de infraestrutura estratégica. O esclarecimento crítico, conforme relatório do Chatham House de 2020, não foi uma troca de dívida por participação acionária. O arrendamento é contrato separado das obrigações de empréstimo. O Sri Lanka ainda deve pagar os empréstimos integralmente. Os recursos do arrendamento foram usados para reforçar reservas cambiais e pagar outros credores, predominantemente ocidentais, não para quitar dívida com a China. Os empréstimos chineses representavam cerca de oito bilhões dos 51 bilhões de dólares de dívida externa total do Sri Lanka, aproximadamente quinze por cento. A Marinha cingalesa mantém controle de segurança do porto.
A Venezuela e o Equador receberam os maiores empréstimos chineses nas Américas. A Venezuela acumulou cerca de 60 bilhões de dólares entre 2007 e 2017, tornando-se o maior receptor global de crédito chinês. O Equador recebeu mais de 18 bilhões em 24 empréstimos desde 2010, a maior quantidade de operações de financiamento chinês na região. A dívida per capita equatoriana com a China, cerca de 1.000 dólares por habitante, é a mais alta da América Latina. Uma auditoria de 2022 encontrou perdas de aproximadamente 5 bilhões de dólares em receitas petrolíferas devido a fórmulas de preço desfavoráveis nos contratos de garantia.
O consenso acadêmico questiona a narrativa de “armadilha” deliberada. Relatório do Chatham House conclui que a Iniciativa Cinturão e Rota é “primariamente econômica, não estratégica” e que o sistema de financiamento ao desenvolvimento da China é “muito fragmentado e mal coordenado para perseguir objetivos estratégicos detalhados”. Estudo conjunto da Universidade de Harvard e do Banco Mundial de 2023 revela que a China tornou-se “credor de último recurso”, emprestando para países que não conseguem crédito em outras fontes. 240 bilhões de dólares fluíram para 22 países através de 128 operações de resgate até 2021. Em 2010, menos de 5% do portfólio chinês apoiava tomadores em dificuldades. Em 2022, esse número subiu para 60%.
A China não inventou o imperialismo financeiro. Apenas pratica, com características próprias, o mesmo jogo que potências ocidentais jogam há séculos. A diferença é que os empréstimos chineses vêm sem condicionalidades políticas do tipo “promova democracia”, “respeite direitos humanos” ou “liberalize sua economia”. Para ditadores do Terceiro Mundo, isso é vantagem. Para populações sob ditaduras, não necessariamente.
Vozes da resistência: quem enxerga o padrão
Olavo de Carvalho, o filósofo brasileiro, dedicou décadas a analisar o que chamou de “revolução cultural gramsciana”: a ocupação sistemática das instituições culturais, educacionais e midiáticas por forças alinhadas à esquerda internacional. Sua tese central era que o globalismo constitui projeto de dominação através da destruição das soberanias nacionais. O financiamento externo de organizações que promovem agendas específicas encaixava-se perfeitamente em sua análise. “Não há conspiração”, costumava dizer, “há convergência de interesses.” Os bilionários não precisam conspirar porque todos querem a mesma coisa: Estados grandes e fracos que possam ser explorados, populações divididas que não consigam resistir, elites nacionais cooptadas que sirvam de administradores coloniais.
Jordan Peterson, o psicólogo canadense, explorou a relação entre ideologia igualitária e ressentimento. Sua observação de que utopias igualitárias frequentemente mascaram a vontade de poder ajuda a compreender por que bilionários financiam movimentos que, em teoria, deveriam ameaçar seus interesses. A resposta é que não ameaçam. Os movimentos financiados atacam classes médias e pequenos empresários, nunca as grandes fortunas protegidas em estruturas offshore. O igualitarismo é para os outros. Os filantropos vivem em casas de 100 milhões de dólares enquanto financiam cartilhas sobre privilégio para crianças de escola pública.
Maria Corina Machado, a líder da oposição venezuelana, representa a experiência vivida da destruição de um país. Sua trajetória demonstra o que acontece quando as forças que descrevemos alcançam controle total: colapso econômico, emigração massiva, miséria generalizada. A Venezuela exportava petróleo e importava ideologia. Hoje exporta refugiados e importa alimentos. Maria Corina denuncia há décadas o financiamento externo dos movimentos que destruíram seu país. Foi ignorada, difamada, processada. O tempo lhe deu razão. Recentemente, após sua filha receber o Nobel da Paz por ela e ela chegar a Oslo após aventura de barco e de avião, explicou que iranianos, Hezbollah, russos, cubanos e chineses já invadiram a Venezuela.
Nigel Farage liderou a campanha pelo Brexit com um argumento simples: recuperar a soberania britânica. A decisão do povo britânico de deixar a União Europeia em junho de 2016 representou derrota significativa para o projeto globalista. Não por acaso, as mesmas fundações que financiam movimentos de esquerda na América Latina financiavam campanhas contra o Brexit na Europa. A Open Society gastou milhões apoiando organizações pró-permanência na União Europeia. Perdeu. O povo britânico decidiu que preferia governar a si mesmo a ser governado por burocratas em Bruxelas.
Elon Musk, ao adquirir o Twitter, agora rebatizado X, em outubro de 2022, expôs mecanismos de censura e controle narrativo que operavam na plataforma. Os chamados “Arquivos do Twitter” revelaram coordenação entre agências governamentais americanas e a rede social para suprimir informações inconvenientes, desde notícias sobre os negócios do filho do presidente Biden até questionamentos sobre eficácia de vacinas. O padrão era consistente: vozes conservadoras eram silenciadas, suspensas ou reduzidas algoritmicamente enquanto narrativas alinhadas ao establishment fluíam livremente e eram amplificadas.
A Igreja Católica, em suas encíclicas sociais, condenou historicamente a usura e defendeu a dignidade humana contra a redução de pessoas a instrumentos econômicos. O Papa Leão XIII, na Rerum Novarum de 1891, denunciou a concentração de riqueza nas mãos de poucos e a exploração de trabalhadores por capitalistas sem escrúpulos. O Papa Pio XI, na Quadragesimo Anno de 1931, advertiu contra o “imperialismo internacional do dinheiro”. O Papa João Paulo II, na Centesimus Annus de 1991, alertou que o mercado livre, embora necessário, não pode ser valor absoluto e deve submeter-se a critérios éticos. Os avisos foram ignorados. O gloBaalismo, inspirado nas práticas do dinheiro mágico da Babilônia (usura), nos rituais canibais ligados a Saturno, em religiões abertamente satanistas, no ateísmo niilista e na adoração a Baal Mammon e Baal Moloch, prosperou. A Igreja, ocupada com sínodos sobre sinodalidade e outras abstrações, parece ter esquecido suas próprias advertências.
A diversidade dos predadores: não é conspiração étnica
É fundamental esclarecer um ponto que confunde muitos observadores e contamina o debate com preconceito irracional: os atores envolvidos nesse sistema provêm de origens étnicas, religiosas, nacionais e políticas extraordinariamente diversas. Não há conspiração judaica, protestante, católica, árabe, chinesa ou de qualquer outro grupo. O que une os bilionários filantrópicos é interesse de classe econômica, não identidade. Quem não compreende isso não compreende nada.
Entre os maiores doadores políticos americanos encontramos judeus como Soros e Bloomberg, mas também cristãos protestantes como os irmãos Koch. Encontramos húngaros naturalizados americanos, iraniano-americanos como Pierre Omidyar, fundador do eBay, sul-africano-americanos como Elon Musk, israelenses-americanas como Miriam Adelson, viúva do magnata de cassinos Sheldon Adelson. Os setores de origem variam: tecnologia, finanças, energia, mídia, entretenimento, cassinos.
Charles Koch doou mais de 257 milhões de dólares para causas conservadoras através da organização Americans for Prosperity desde 2004. Timothy Mellon, herdeiro da fortuna bancária Mellon, contribuiu com mais de 150 milhões para comitês de apoio a Donald Trump. George Soros doou 170 milhões de dólares nas eleições de meio de mandato de 2022 para candidatos democratas e organizações alinhadas. Michael Bloomberg gastou mais de oitenta milhões em 2024. O dinheiro flui para ambos os lados do espectro político, embora com ênfases diferentes.
Paul Singer, do fundo Elliott Management que lucrou bilhões com a dívida argentina, é judeu ortodoxo praticante e grande doador para causas judaicas. Os proprietários de fundos soberanos do Golfo Pérsico, que investem centenas de bilhões em mercados ocidentais, são muçulmanos. Os bilionários chineses que participam do Fórum de Davos são oficialmente ateus, como determina o Partido Comunista. Os herdeiros da fortuna Ford são protestantes. Os Médici eram católicos. Os Rothschilds eram judeus. Os Fugger eram católicos. O dinheiro não pergunta a religião do portador.
A análise baseada em etnia ou religião é não apenas moralmente repugnante, mas analiticamente inútil. O mecanismo que descrevemos funciona independentemente da origem dos atores. Um especulador chinês, russo, árabe, judeu, protestante ou católico pode explorar exatamente as mesmas fragilidades macroeconômicas. O que importa é capital suficiente, acesso aos mercados e disposição de lucrar com a miséria alheia. As tentações alinhadas aos pecados capitais da ganância, do orgulho e da luxúria são democráticas. Não discriminam.
A esperança fundamentada na verdade
Marco Aurélio, o imperador filósofo que governou Roma no século II da era cristã, escreveu em suas Meditações que devemos aceitar com serenidade o que não podemos mudar e agir com vigor sobre o que podemos.
O sistema que descrevemos parece esmagador em sua complexidade e recursos. Bilhões de dólares fluem através de fundações, agências governamentais, organizações multilaterais. Milhares de organizações não governamentais executam agendas coordenadas nos cinco continentes. Mídia, academia e entretenimento amplificam as narrativas convenientes e silenciam as inconvenientes. Quem ousa questionar é chamado de conspiracionista, extremista, desinformador.
Contudo, há sinais de resistência. O Brexit demonstrou que populações informadas podem desafiar o consenso das elites e vencer. A eleição de governos conservadores em países como Argentina, Itália, Chile, Bolívia, EUA e Hungria sugere que o ciclo pode ser revertido, ainda que temporariamente. A exposição dos mecanismos de censura nas redes sociais abalou a confiança em instituições que pareciam onipotentes. A ascensão de mídia alternativa fora do controle das grandes corporações permite que vozes dissidentes alcancem audiências significativas.
A primeira batalha é sempre pela verdade. Os fatos apresentados neste texto são públicos, verificáveis, documentados em relatórios oficiais, formulários fiscais, decisões judiciais, pesquisas acadêmicas revisadas por pares e dados de bancos centrais. Não é teoria da conspiração. É análise de padrões observáveis que qualquer pessoa com acesso à internet pode verificar. Os valores são públicos. Os nomes são públicos. As organizações são públicas. O que falta é conectar os pontos e tirar as conclusões que a evidência impõe.
A segunda batalha é pela soberania. Nações que controlam suas fronteiras, suas moedas e suas políticas fiscais são menos vulneráveis à predação financeira internacional. O enfraquecimento do Estado nacional não beneficia os pobres. Beneficia os muito ricos que operam acima das jurisdições nacionais. O trabalhador brasileiro não ganha nada quando organizações estrangeiras financiam movimentos que aumentam gastos públicos, elevam impostos e criam instabilidade que permite a especuladores lucrar apostando contra o real. Quem ganha são os especuladores.
A terceira batalha é pela fé. O cristianismo ensinou durante dois milênios que o homem não vive só de pão e que há valores superiores ao lucro. A usura era pecado antes de tornar-se modelo de negócios. A caridade significava amor ao próximo, não instrumento de engenharia social para remodelar sociedades segundo ideologias importadas. A Igreja, quando fiel a si mesma, sempre soube distinguir entre a generosidade genuína e a manipulação disfarçada de benevolência. O resgate dessa sabedoria é condição para resistir.
A verdade, disse alguém há dois mil anos, liberta. Mas só liberta quem tem coragem de olhá-la de frente, mesmo quando ela revela que os filantropos são predadores, que a caridade escraviza e que o bem comum é frequentemente máscara para interesses muito particulares. O primeiro passo para sair da armadilha é reconhecer que estamos nela. O segundo é recusar o veneno oferecido como remédio. O terceiro é construir alternativas enraizadas na realidade, na tradição e na fé. Não será fácil. Não será rápido. Mas é possível. E, sendo possível, é obrigatório.


