A DEMOCRACIA QUE MATA: UMA COMÉDIA DE HORRORES
Há uma piada cruel na história política moderna, e ela começa sempre com a mesma palavra: democrático. Quando um país decide colocar esse adjetivo em seu nome oficial, pode preparar o passaporte.
Há uma piada cruel na história política moderna, e ela começa sempre com a mesma palavra: democrático. Quando um país decide colocar esse adjetivo em seu nome oficial, pode preparar o passaporte ou o caixão, porque a liberdade está prestes a fazer as malas. É como aquele sujeito que precisa jurar três vezes que é honesto: você já sabe que está diante de um vigarista.
Tudo começou no século 19, quando a esquerda descobriu que “ditadura do proletariado” não pegava bem nos panfletos. Era preciso algo mais palatável, uma embalagem bonita para o veneno. Assim nasceu o Partido Social-Democrático da Alemanha em 1863, pioneiro na arte de chamar coletivismo marxista de democracia operária. Era genial: você prometia poder ao povo enquanto construía as estruturas para arrancá-lo deles. Em 1898, os americanos tentaram a mesma receita com seu Partido Social-Democrático da América, mas foram os russos, no mesmo ano, com o Partido Social-Democrático Russo dos Trabalhadores, que elevaram a farsa à perfeição. Bolcheviques e mencheviques discutiam qual versão da democracia seria melhor para matar mais gente.
O século 20 transformou essa tragicomédia em reality show do terror. Em 1945, Ho Chi Minh proclamou a República Democrática do Vietnã, onde você tinha o direito democrático de concordar com o Partido Comunista ou conhecer um pelotão de fuzilamento. Liberdade de escolha, obviamente. Quatro anos depois, em 1949, os alemães orientais capricharam na ironia ao fundar a República Democrática Alemã, um paraíso tão democrático que precisaram construir um muro para impedir que o povo exercesse seu direito democrático de ir embora. O Partido Socialista Unificado da Alemanha garantia que ninguém sofresse com o peso da liberdade de escolha.
Na Itália, entre 1947 e 1998, o Partido Socialista Democrático Italiano fazia sua parte, disfarçando sua filiação à Internacional Socialista com uma retórica tão democrática quanto um assalto educado. “Com licença, vamos desmontar suas instituições tradicionais. É pela democracia, confia.”
Os anos 1960 foram o festival da contradição semântica. Em 1965, o Partido Democrático Popular do Afeganistão plantou as sementes para a República Democrática do Afeganistão de 1978, um show de horrores que durou até 1992, com invasões soviéticas e execuções em massa, tudo em nome do progresso democrático. Dois anos depois, em 1967, o Iêmen do Sul estreou como República Democrática Popular do Iêmen, praticando marxismo-leninismo via Partido Socialista Iemenita até a unificação forçada de 1990. No Japão, o Partido Socialista Democrático do Japão, de 1945 a 1996, operava na versão mais light, mas ainda assim contribuía para corroer as estruturas conservadoras com seu socialismo democrático de boutique.
Em 1969, a Somália entrou para o clube macabro com a República Democrática da Somália, onde Siad Barre impôs o “socialismo científico” até 1991. Científico no sentido de que cientificamente garantia miséria e repressão. Chamavam isso de democracia africana autêntica, o que faz você questionar o que seria a inautêntica.
Os anos 1970 foram o ápice do que Orwell chamaria de novilingua aplicada. Em 1975, Madagascar virou República Democrática de Madagascar, abraçando o socialismo do bloco oriental até 1992 e transformando fome em política de estado democrático. No mesmo ano, a República Democrática Popular do Laos nascia das cinzas da guerra, com o Partido Popular Revolucionário do Laos garantindo que a economia socialista orientada fosse sinônimo de pobreza orientada.
Mas foi em 1976 que o inferno ganhou nome poético: Campucheia Democrática. O Khmer Vermelho de Pol Pot executou um genocídio maoista que matou milhões, tudo enquanto proclamava uma democracia camponesa pura. Pura de quê? De gente viva, aparentemente. Era tão democrático que os crânios empilhados viraram monumento turístico.
No Afeganistão, a República Democrática já mencionada coexistiu com outras tragédias. Em 1987, a Etiópia estreou sua República Democrática Popular da Etiópia sob o Derg, praticando socialismo com tempero de fome até 1991. Planejamento econômico centralizado e terror de estado: a receita democrática perfeita.
A década de 1990 não trouxe redenção, apenas reciclagem. O Partido do Socialismo Democrático da Alemanha, de 1990 a 2007, ressurgiu das cinzas do SED oriental, perpetuando a tradição de esquerda socialista democrática até se fundir ao Die Linke, que hoje continua vendendo socialismo com embalagem de democracia nas prateleiras alemãs.
E os campeões invictos? A República Popular Democrática da Coreia, a Coreia do Norte, governa desde 1948 com o Partido dos Trabalhadores da Coreia, praticando a ideologia juche, um socialismo autônomo que é basicamente um culto à família Kim. Três gerações de democracia hereditária. Genial.
A República Democrática Popular do Laos, consolidada em 1975, mantém o Partido Popular Revolucionário do Laos no poder absoluto, com uma economia socialista orientada que orienta principalmente para a pobreza. A República Democrática Popular da Argélia, com sua constituição socialista e a Frente de Libertação Nacional, pratica socialismo árabe desde a independência, porque a democracia funciona melhor com partido único. A República Democrática Socialista do Sri Lanka não esconde o jogo: socialista está no nome, e governos de esquerda se alternam para garantir que o estado sempre fique acima do indivíduo. Democracia para o coletivo, nunca para você.
A República Federal Democrática do Nepal completou a metamorfose recente, com o Partido Comunista do Nepal no poder, orientando-se ao socialismo constitucional. Porque nada diz democracia como comunismo na constituição.
Mas a subversão não para nos Estados totalitários. Os partidos políticos ocidentais dominaram a técnica da camuflagem semântica. O Partido Social Democrata da Alemanha, o SPD, promove social-democracia globalista, apoiando União Europeia e ONU com fervor missionário. O Partido Social Democrata Sueco, o SAP, carrega histórico socialista com orgulho discreto. O Partido Social Democrata Finlandês, o SDP, e o Partido Social Democrata da Romênia, o PSD, com seu populismo de esquerda, mantêm a tradição. Em Montenegro, o Partido Social Democrata, o DPS, e em Gibraltar, o Partido Social Democrata do Trabalho, o GSLP, espalham a boa nova social-democrata.
No Ocidente anglo-saxão, o Partido Democrata dos Estados Unidos pratica centro-esquerda globalista, casado com OTAN e ONU. O Novo Partido Democrático do Canadá, o NDP, não esconde elementos socialistas. No Japão, o Partido Democrático Constitucional, o CDP, é centro-esquerda educado. Na Itália, o Partido Democrático, o PD, é pró-União Europeia com paixão. Na Coreia do Sul, o Partido Democrático é progressista de carteirinha. E nos Estados Unidos, os Socialistas Democráticos da América, o DSA, pelo menos têm a honestidade de serem abertamente socialistas, ainda que insistam no democráticos para não assustar os millennials.

Na Alemanha, A Esquerda, o Die Linke, é socialista democrático assumido, herdeiro direto do partido que construiu o Muro de Berlim. No Irã, até os curdos têm seu Partido Socialista Democrático do Curdistão, o KDPI, praticando social-democracia étnica.
A piada se completa no século 21 com o socialismo bolivariano, onde Chávez e Maduro aperfeiçoaram a técnica: defender a democracia significa destruí-la, eleições viram espetáculo teatral, mídia é censurada, oposição é presa, e tudo em nome do povo. O executivo engole judiciário e legislativo, concentrando poder enquanto acusa adversários de fascistas. É o doublespeak orwelliano na veia: guerra é paz, liberdade é escravidão, ditadura é democracia.
Olhando essa galeria de horrores cômicos, onde cada democrático no nome equivale a milhões de mortos, a conclusão é cristalina: quando alguém precisa gritar que é democrático, é porque não é. A verdadeira liberdade sempre habitou nas repúblicas, com suas instituições equilibradas, separação de poderes e lei acima da turba. A república não precisa de adjetivos porque entrega o substantivo: liberdade. Já a democracia sequestrada virou o cavalo de Troia perfeito, bonito por fora, recheado de soldados armados por dentro.
Todo conservador lúcido deveria defender a república com unhas, dentes e argumentos, rejeitando a democracia como ela se tornou: uma palavra prostituída que serve de biombo para tiranos. Porque no fim, a história ensina uma lição simples e brutal: quanto mais um regime grita que é democrático, mais democrática é a quantidade de gente que ele mata. E isso, meus caros, não tem piada que salve.