A DEMOCRACIA QUE SE ESCONDE DO POVO NÃO É DEMOCRACIA
Um manifesto pela contagem pública de votos
Há uma pergunta que deveria assombrar o sono de todo cidadão que se diz democrata, mas que, por algum motivo misterioso, raramente é formulada: se a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, por que razão o povo não pode ver seus próprios votos sendo contados?
A resposta que nos oferecem os apologistas da modernidade eletrônica é sempre a mesma: confie. Confie no algoritmo. Confie na máquina. Confie nos técnicos. Confie nas instituições. Confie, enfim, em tudo e em todos, menos nos seus próprios olhos. É uma proposição curiosa. Pedem que depositemos fé cega precisamente no ato fundacional de toda legitimidade política. Como se um homem, ao casar, aceitasse que o cartório lhe informasse por telegrama, sem testemunhas, que o casamento foi consumado.
A palavra democracia, como todo estudante de ginásio deveria saber, vem do grego: demos, povo, e kratos, poder. O poder do povo. Não o poder dos peritos. Não o poder dos programadores. Não o poder das urnas que computam em segredo e cospem números que o eleitor comum deve aceitar como verdade revelada. O poder do povo. E o povo, para exercer poder, precisa ver. Precisa contar. Precisa verificar. Do contrário, não exerce poder algum. Apenas o delega a uma caixa preta que pode, ou não, estar dizendo a verdade.
Este artigo pretende demonstrar, com dados, fontes e argumentos que atravessam continentes e séculos, que a contagem pública de votos não é um capricho de saudosistas, mas o próprio fundamento da legitimidade eleitoral. E que os países mais respeitados do mundo em matéria de integridade democrática são precisamente aqueles que jamais abriram mão do direito de seus cidadãos verem, com os próprios olhos, cada cédula sendo desdobrada e cada voto sendo proclamado.
O padrão ouro da civilização
Comecemos pelo que fazem as nações sérias.
Na França, berço das ideias que moldaram o Ocidente político, o Código Eleitoral estabelece, em seu artigo L65, que a contagem dos votos, o “dépouillement”, começa imediatamente após o fechamento das urnas. Cada cédula é fisicamente desdobrada e lida em voz alta, “à haute voix et intelligible”, perante observadores. Os candidatos podem designar representantes em cada mesa de votação. Os envelopes são agrupados em pacotes de cem, lacrados com assinaturas do presidente da mesa e de pelo menos dois assessores. Os resultados são proclamados publicamente e afixados na própria sala de votação.
A França, note bem, mantém uma moratória sobre máquinas de votação para eleições nacionais. O Senado francês recomendou que essa proibição se torne permanente. Não porque os franceses sejam tecnófobos. Afinal, estamos falando do país que construiu o TGV, a Ariane e o Concorde. Mas porque entendem algo que parece escapar a certos entusiastas da modernidade: em matéria de soberania popular, a simplicidade verificável vale mais que a sofisticação opaca.
Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal proferiu, em 3 de março de 2009, uma decisão que deveria ser leitura obrigatória para todo legislador do planeta. No processo 2 BvC 3/07, a Corte declarou inconstitucionais as urnas eletrônicas, estabelecendo um princípio de clareza cristalina: “Os próprios eleitores devem ser capazes de compreender, sem conhecimento detalhado de tecnologia computacional, se seus votos são registrados de maneira não adulterada como base para a contagem.”
Os juízes alemães foram além. Rejeitaram explicitamente o argumento de que certificações oficiais ou salvaguardas técnicas poderiam compensar a falta de observabilidade cidadã: “Limitações da possibilidade de os cidadãos examinarem a votação não podem ser compensadas por uma instituição oficial testando máquinas amostrais.” Essa decisão invalidou aproximadamente dois milhões de votos depositados em máquinas eletrônicas Nedap na eleição de 2005.
A Alemanha, convém lembrar, é a maior economia da Europa, berço de Gutenberg, Leibniz e praticamente metade dos engenheiros que fizeram o século 20 funcionar. Se alguém pudesse confiar em máquinas, seriam os alemães. Mas precisamente porque entendem de máquinas, sabem que não se deve confiar nelas cegamente.
A Holanda oferece um estudo de caso ainda mais instrutivo. Até 2006, o país utilizava máquinas eletrônicas para 99% de seus eleitores. Então, em outubro de 2007, um juiz holandês declarou ilegais as urnas Nedap depois que um grupo de hackers chamado “Não Confiamos em Máquinas de Votação” demonstrou que os equipamentos podiam ser comprometidos em cinco minutos. Cinco minutos. O tempo de preparar um café.
Em fevereiro de 2017, o Ministro do Interior Ronald Plasterk anunciou que todas as cédulas seriam contadas à mão, declarando: “Não quero uma sombra de dúvida sobre o resultado em um clima político como o que conhecemos hoje.” Os holandeses, povo de comerciantes e navegadores que construíram um império global sobre a precisão de seus registros, decidiram que a democracia era importante demais para ser terceirizada a algoritmos.
E não são casos isolados. No Reino Unido, contagem manual. Na Dinamarca, contagem manual e explicitamente pública. Na Finlândia, contagem manual. No Canadá, contagem manual com observadores partidários acompanhando cada etapa, e 91% dos eleitores identificando a agência eleitoral como a fonte mais confiável de informações sobre eleições.
A Nova Zelândia é enfática: “Todos os votos são contados à mão na Nova Zelândia. Não usamos máquinas de contagem de votos.” Quando pequenos erros de digitação foram descobertos em 2023, o auditor revisou os processos e implementou melhorias. Porque quando há papel e contagem pública, erros são detectáveis. E erros detectáveis são erros corrigíveis.
Os números globais são eloquentes. Segundo a ACE Electoral Knowledge Network e o International IDEA, 92% dos países do mundo, 209 de 227, usam cédulas de papel marcadas manualmente como método primário de votação. Apenas 19% empregam qualquer forma de votação eletrônica em nível nacional ou subnacional. A contagem pública não é a exceção. É a regra. A exceção somos nós.
Os que tentaram e desistiram
A história das urnas eletrônicas é, em grande medida, uma história de arrependimentos institucionais.
A Irlanda gastou 55 milhões de euros em 7.500 máquinas Nedap compradas em 2002. Uma Comissão Independente concluiu que a integridade das cédulas não podia ser garantida. Em abril de 2009, o Ministro John Gormley descartou todo o sistema. As máquinas foram vendidas como sucata em 2012 por 70.267 euros. Aproximadamente 9,30 euros por unidade. Um investimento de 55 milhões transformado em ferro velho.
A Alemanha, como vimos, declarou o sistema inconstitucional. O Cazaquistão descontinuou seu sistema Sailau em 2011; o presidente da Comissão Eleitoral Central explicou que “os eleitores preferem papel, os partidos políticos não confiam nele, faltam recursos.”
A Argentina, em outubro de 2024, aprovou a Lei 27781 estabelecendo cédula única de papel para todas as eleições nacionais, após Buenos Aires abandonar o voto eletrônico em função de falhas nas primárias de 2023. A juíza federal María Servini classificou o uso de cédulas eletrônicas como “uma zombaria dos cidadãos”.
São países diversos, com sistemas políticos distintos, culturas diferentes, níveis variados de desenvolvimento tecnológico. O que têm em comum? A compreensão de que, em democracia, a verificabilidade não é um luxo. É um requisito.
O que dizem as leis internacionais
O direito internacional não é ambíguo nesta matéria.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de San José, estabelece em seu artigo 23 que todo cidadão deve ter o direito de “votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores.” Note a palavra: autênticas. Uma eleição cuja contagem ninguém pode verificar dificilmente merece esse adjetivo.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 25, é complementado pelo Comentário Geral nº 25 do Comitê de Direitos Humanos da ONU: “Deve haver escrutínio independente do processo de votação e contagem e acesso a revisão judicial ou outro processo equivalente para que os eleitores tenham confiança na segurança da cédula e na contagem dos votos.”
A Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho da Europa, produziu em 2002 seu Código de Boas Práticas em Matéria Eleitoral, que prescreve: “A contagem deve preferencialmente ocorrer nas seções de votação... A contagem deve ser transparente. Observadores, representantes de candidatos e a mídia devem ter permissão para estar presentes. Essas pessoas também devem ter acesso aos registros.”
São normas vinculantes para dezenas de países. São compromissos assumidos perante a comunidade internacional. E são, em muitos casos, solenemente ignorados por nações que se dizem democráticas enquanto escondem suas contagens atrás de softwares proprietários e algoritmos inauditáveis.
A filosofia da legitimidade
Por trás das normas jurídicas, há uma questão filosófica que os modernos parecem ter esquecido, mas que os antigos compreendiam perfeitamente: de onde vem a legitimidade do poder?
Rousseau argumentava que a autoridade política legítima é criada por convenção, alcançada dentro do estado civil. Especificamente, a legitimidade surge da justificação democrática das leis. Locke fundamentava a legitimidade no consentimento real dos governados. Não no consentimento presumido. Não no consentimento inferido. No consentimento real.
Habermas, na tradição da democracia deliberativa, sustenta que procedimentos justos e comunicação clara podem produzir decisões legítimas e consensuais pelos cidadãos. A publicidade funciona como característica necessária de processos democráticos legítimos.
O Tribunal Constitucional alemão traduziu esses princípios filosóficos em direito constitucional: “A possibilidade de examinar os passos essenciais da eleição promove confiança justificada na regularidade da eleição apenas quando os próprios cidadãos são capazes de retraçar confiavelmente a votação.”
Não é linguagem técnica. É linguagem moral. A Corte está dizendo que existe uma diferença qualitativa entre um resultado que o cidadão pode verificar e um resultado que ele deve aceitar por fé. O primeiro funda legitimidade. O segundo funda, na melhor das hipóteses, conformidade resignada.
O NIST, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos, identificou a contagem manual como “o melhor procedimento” para segurança na tabulação de votos. Não é um comitê de luditas. É a principal agência de padronização tecnológica do país que inventou o computador moderno.
As vulnerabilidades que ninguém nega
Defensores do voto eletrônico frequentemente argumentam que não há evidências de manipulação bem sucedida. O argumento é tecnicamente correto e filosoficamente irrelevante. A questão não é se alguém manipulou. A questão é se alguém poderia manipular sem ser detectado. E neste ponto, as evidências são avassaladoras.
A DEF CON, maior conferência de hackers do mundo, mantém desde 2017 uma “Voting Village” dedicada a testar equipamentos eleitorais. Os resultados são consistentemente alarmantes. Em 2017, pesquisadores examinaram mais de 25 peças de equipamento; “cada peça foi violada até o final da conferência.” Em 2018, encontraram equipamentos de “todos os fabricantes e de todos os estados” com vulnerabilidades, incluindo um tabulador usado em 26 estados “vulnerável à exploração remota” e máquinas de votação onde “acesso de administrador pode ser obtido em menos de dois minutos”.
A CISA, Agência de Segurança de Infraestrutura e Cibersegurança dos Estados Unidos, documentou vulnerabilidades específicas em sistemas Dominion ImageCast X, observando que a versão testada “não valida assinaturas de aplicativos para um certificado raiz confiável” e permite instalação de código malicioso. A própria CISA enfatiza não haver evidências de que essas vulnerabilidades foram exploradas. Mas a ausência de evidência não é evidência de ausência, especialmente quando o sistema foi desenhado de modo a tornar a exploração indetectável.
O Professor J. Alex Halderman, da Universidade de Michigan, identificou “múltiplas falhas graves de segurança” nas máquinas Dominion touchscreen da Geórgia, potencialmente permitindo instalação de malware “com acesso físico temporário, como o de eleitores no local de votação, ou remotamente a partir de sistemas de gerenciamento eleitoral.”
Interferência estrangeira não é teoria conspiratória. É fato documentado por agências de inteligência. O Relatório Mueller documentou que o GRU russo atacou websites eleitorais em pelo menos sete estados, com a base de dados de registro de eleitores de Illinois violada, e informações pessoais de 500 mil eleitores acessadas. O Comitê de Inteligência do Senado concluiu que a atividade ocorreu em “todos os 50 estados” como “teste para sondar as defesas americanas”.
Em 2024, o FBI confirmou que ameaças de bomba no dia da eleição “parecem originar de domínios de email russos.” O Irã hackeou com sucesso a campanha de Trump; três operativos do IRGC foram indiciados. A China atacou disputas locais através da operação de influência “Spamouflage”.
E não são apenas atores estrangeiros. No condado de Coffee, Geórgia, a CISA detectou um ciberataque em abril de 2024. A escrivã do condado de Mesa, Colorado, Tina Peters, foi acusada de “esquema enganoso”. Sidney Powell se declarou culpada em conexão com a violação de Coffee County. Cientistas da computação alertaram que esses incidentes significam que pessoas “possuem cópias do software do sistema de votação”, permitindo estudo de vulnerabilidades e potencial desenvolvimento de malware.
Uma investigação da NBC News encontrou “mais de 35 sistemas de votação deixados online,” com grandes fabricantes reconhecendo instalação de modems em tabuladores e scanners. O Professor Andrew Appel, de Princeton, é direto: “Modems em máquinas de votação são uma má ideia. Esses modems... são conexões de rede, e isso os deixa vulneráveis a hacking por qualquer um que possa se conectar a essa rede.”
O caso Smartmatic
Nenhuma discussão sobre votação eletrônica estaria completa sem mencionar a Smartmatic, empresa que se tornou sinônimo de controvérsia eleitoral.
Os fatos confirmados são estes: a Smartmatic forneceu tecnologia para 14 eleições nacionais na Venezuela a partir do referendo revogatório presidencial de agosto de 2004. O Centro Carter inicialmente validou os resultados de 2004, com Jimmy Carter posteriormente declarando que a Venezuela “provavelmente tem o melhor sistema de votação que já conheci.”
Contudo, em agosto de 2017, o próprio CEO da Smartmatic, Antonio Mugica, reconheceu publicamente manipulação, declarando em entrevista coletiva em Londres: “Sabemos, sem qualquer dúvida, que a participação na recente eleição para uma Assembleia Nacional Constituinte foi manipulada. Estimamos que a diferença entre a participação real e a anunciada pelas autoridades é de pelo menos um milhão de votos.”
Uma investigação do Miami Herald, em outubro de 2024, documentou que o software da Smartmatic foi usado em três eleições venezuelanas após a empresa alegar ter partido do país: eleições municipais de dezembro de 2017 e eleição presidencial de maio de 2018. A Smartmatic inicialmente negou envolvimento, depois reconheceu que o software foi usado “sob coerção”.
Em outubro de 2025, um indiciamento substitutivo nos Estados Unidos acusou a SGO Corporation Limited, empresa matriz da Smartmatic, de conspiração para violar a Lei de Práticas Corruptas no Exterior e conspiração para cometer lavagem de dinheiro nas Filipinas. Os réus individuais incluem Roger Alejandro Piñate Martinez, COO e cofundador da Smartmatic, e Jorge Miguel Vasquez, VP de Operações Externas. Subornos de pelo menos um milhão de dólares teriam sido pagos entre 2015 e 2018 para garantir contratos com a COMELEC filipina.
Em 2 de dezembro de 2025, Hugo Carvajal Barrios, ex-Diretor de Inteligência Militar da Venezuela, enviou carta ao Presidente Trump alegando: “A Smartmatic nasceu como uma ferramenta eleitoral do regime venezuelano, mas logo derivou para uma ferramenta para ajudar a manter o regime no poder para sempre. Sei disso porque coloquei o chefe de TI do Conselho Nacional Eleitoral no cargo, e ele se reportava diretamente a mim. O sistema Smartmatic pode ser alterado. Isso é um fato.”
É preciso notar que Carvajal se declarou culpado de conspiração para narcoterrorismo em junho de 2025 e escreve da prisão federal aguardando sentença em fevereiro de 2026, potencialmente recebendo redução de pena por cooperação. O Dallas Express, que publicou a carta, declarou explicitamente não ter verificado independentemente todas as alegações. São alegações graves de fonte com motivo para cooperar. Não são, ainda, fatos judicialmente estabelecidos.
O que é fato estabelecido: a própria empresa admitiu manipulação em 2017. Executivos foram indiciados por corrupção nas Filipinas em 2025. E o sistema continua operando em diversos países.
Nos Estados Unidos, as operações da Smartmatic limitaram-se ao Condado de Los Angeles, onde um contrato de 282 milhões de dólares produziu o sistema VSAP, primeiro sistema de votação de propriedade pública do país. A empresa declara explicitamente: “A Smartmatic não forneceu e não fornece qualquer hardware, software ou serviço para Geórgia, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia ou Arizona durante as eleições de 2020 e 2024”.
A crise de confiança
Os números não mentem, embora às vezes os tabuladores mintam sobre os números.
Segundo pesquisa Pew Research de dezembro de 2024, apenas 17% dos americanos confiam no governo federal para fazer o que é certo “na maior parte do tempo” ou “quase sempre”. Uma pesquisa do Bipartisan Policy Center de 2024 encontrou que apenas 69% estão confiantes de que os votos são contados com precisão nacionalmente, deixando aproximadamente 30% com dúvidas. A Partnership for Public Service descobriu que apenas 29% acreditam que a democracia está funcionando nos Estados Unidos.
São números de crise. E não deveriam surpreender ninguém. Quando você pede a um povo que confie cegamente em um processo que não pode verificar, obtém exatamente o que merece: desconfiança.
A violência eleitoral correlaciona-se com legitimidade disputada. A disputa eleitoral de 2007 e 2008 no Quênia produziu violência mortal. A “Eleição Tipp Ex” de 2019 no Malawi resultou em violência política e greves antes da anulação pela corte constitucional. O 6 de janeiro de 2021 demonstrou as consequências quando porções substanciais do eleitorado rejeitam os resultados.
A pesquisa acadêmica confirma: “Quando instituições de lei e justiça são percebidas como inclinadas para um partido ou lado de uma clivagem identitária, a violência política se torna mais provável.”
O International IDEA identifica fatores protetivos: quando Órgãos de Gestão Eleitoral “adotaram práticas inclusivas que envolviam trabalhar junto com outros atores eleitorais para discutir problemas e construir confiança, menos violência resultou.” Sistemas transparentes em países nórdicos e no Uruguai consistentemente alcançam os níveis mais altos de confiança.
O padrão é claro. Onde há transparência, há confiança. Onde há opacidade, há suspeita. E onde há suspeita persistente, eventualmente há conflito.
O que fazer
A solução não é complicada. É, na verdade, de uma simplicidade quase constrangedora para quem gastou milhões em sistemas que agora precisam defender.
Primeiro, retorno à cédula de papel. Não porque o papel seja infalível, mas porque o papel é verificável. Uma cédula pode ser recontada. Um bit que foi alterado e depois deletado não pode.
Segundo, contagem pública em cada seção eleitoral, imediatamente após o fechamento da votação, com observadores de todos os partidos e qualquer cidadão que deseje comparecer. Cada voto lido em voz alta. Cada resultado afixado na própria seção antes de ser transmitido a qualquer sistema central.
Terceiro, soberania da seção. O resultado da seção é o resultado da seção. Não existe totalização que possa contradizer a soma das seções. Se os resultados das seções foram publicados e testemunhados, qualquer discrepância na totalização é imediatamente detectável.
Quarto, retenção obrigatória das cédulas por período suficiente para contestações judiciais, com cadeia de custódia documentada e auditável.
Quinto, observação internacional irrestrita, porque uma democracia que confia em seu processo não teme olhos estrangeiros.
São medidas simples. São medidas baratas, especialmente comparadas aos custos de sistemas eletrônicos que precisam ser substituídos a cada ciclo eleitoral. E são medidas que funcionam, como demonstrado por cada país que alcança altos índices de confiança eleitoral.
Conclusão: O povo que não vê não governa
Retornemos à pergunta inicial: se a democracia é o governo do povo, por que o povo não pode ver seus votos sendo contados?
A resposta honesta, que nenhum defensor do status quo jamais oferecerá, é esta: porque um sistema verificável é um sistema que não pode ser controlado sem que a população perceba. E há, em toda sociedade, forças que preferem a possibilidade de controle à certeza de transparência.
Não estou afirmando que todas as eleições eletrônicas são fraudadas. Estou afirmando algo mais fundamental: que um sistema de votação que não pode ser verificado pelo cidadão comum é, por definição, um sistema que depende de fé. E fé é o que se exige em matéria de religião, não em matéria de república.
O Tribunal Constitucional alemão entendeu isso. Os holandeses entenderam. Os franceses sempre entenderam. Os irlandeses aprenderam a um custo de 55 milhões de euros. Os argentinos acabaram de aprender.
Resta saber se os demais terão a humildade de aprender com os erros dos outros, ou se insistirão em cometer os próprios até que o preço se torne impagável.
A democracia, aquela que merece o nome, não pede confiança. Oferece verificação. Não exige fé. Permite escrutínio. Não promete que o sistema é seguro. Prova que é transparente.
O povo que aceita resultados que não pode verificar não é soberano. É súdito de quem controla a contagem. E quem controla a contagem controla tudo.
Ou recuperamos o direito de ver nossos votos sendo contados, ou admitimos que a palavra democracia se tornou apenas mais um termo técnico esvaziado de significado, como “sustentabilidade” ou “responsabilidade social”, mantido por conveniência retórica enquanto a substância se evapora.
A escolha, como sempre em democracia, é nossa. Desde que ainda nos deixem escolher.


