Um ensaio sobre a anistia, a tirania togada e o dever moral do Congresso brasileiro
Kafka, Orwell e outros escreveram romances literários que parecem estar sendo usados como manual de instruções por tiranos, autocratas e antissociais no poder
O despertar de Josef Kafka na Papuda
Quando Franz Kafka escreveu O Processo, em 1914, imaginou um homem acordado por agentes do Estado que o acusavam de um crime jamais nomeado, conduzido por um labirinto judicial cujas regras eram incompreensíveis, julgado por um tribunal que não admitia defesa e executado sem jamais conhecer a sentença. A genialidade de Kafka residia na impossibilidade: aquilo era absurdo demais para ser real. Um século depois, 141 brasileiros acordam todas as manhãs no Complexo Penitenciário da Papuda sem saber exatamente por que estão ali, condenados por crimes cuja tipificação foi inventada para a ocasião, julgados por um ministro que acumula as funções de investigador, acusador e sentenciador, privados do direito ao duplo grau de jurisdição garantido pelo Pacto de San José. Josef K. era ficção. Cleriston Pereira da Cunha, o “Clezão”, morreu de verdade, aos 46 anos, treze dias depois de seu pedido de prisão domiciliar ter sido solenemente ignorado. Kafka escreveu uma profecia, não um romance.
O que acontece no Brasil em novembro de 2025 não é uma crise institucional. É a consumação de um projeto. George Orwell descreveu em 1984 um regime que reescrevia a história, controlava a linguagem e punia o pensamento. Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo, imaginou uma tirania que não precisava de violência porque controlava o prazer e a informação. Ayn Rand, em A Revolta de Atlas, narrou uma sociedade onde os produtores eram saqueados pelos parasitas do Estado em nome do “bem comum”. Terry Gilliam, no filme Brazil, satirizou uma burocracia kafkiana que destruía vidas por erros de digitação. Alan Moore, em V de Vingança, desenhou uma Inglaterra totalitária que usava o medo para justificar a supressão de todas as liberdades. Cada um desses artistas acreditava estar exagerando. Nenhum deles imaginou que suas distopias se tornariam manuais de instrução.
O manual dos tiranos: da ficção à Praça dos Três Poderes
Há um padrão que atravessa todas as tiranias modernas, da União Soviética de Stalin à China de Xi Jinping, da Venezuela de Maduro ao Brasil de 2025. O padrão é simples: primeiro, controla-se a linguagem; depois, controla-se a informação; por fim, controla-se a justiça. Quem controla esses três pilares não precisa de tanques nas ruas. Os tanques são dispensáveis quando se pode prender um ex-presidente por supostamente ter tentado queimar uma tornozeleira com ferro de solda.
Na União Soviética, os dissidentes eram enviados a hospitais psiquiátricos porque discordar do regime era, por definição, loucura. Na China contemporânea, o sistema de crédito social pune cidadãos por crimes de opinião, e quem questiona o Partido Comunista simplesmente desaparece. Na Venezuela de Maduro, 903 prisioneiros políticos apodrecem em celas enquanto o regime celebra uma “vitória eleitoral” cujas atas jamais foram publicadas. Na Colômbia de Petro, a política de “Paz Total” significa negociar com narcotraficantes enquanto 52 mil civis são deslocados por guerrilheiros. No México de Claudia Sheinbaum, a reforma judicial que submete todos os juízes a eleições populares foi saudada como “democratização”, embora o embaixador americano tenha alertado que ela entrega o Judiciário aos cartéis.
O Brasil não está à margem desse movimento. O Brasil é seu laboratório mais sofisticado.
Quando Alexandre de Moraes abriu o Inquérito das Fake News em 2019, de ofício, sem provocação do Ministério Público, sem sorteio para definir o relator, com prazo indeterminado e poderes ilimitados, ele não estava “defendendo a democracia”. Estava inaugurando um novo modelo de controle estatal, mais elegante que o soviético, mais sutil que o chinês, mais eficiente que o venezuelano. O modelo brasileiro dispensa campos de concentração. Basta um inquérito perpétuo, decisões monocráticas irrecorríveis e uma imprensa que transforme dissidentes em “golpistas” e presos políticos em “terroristas”.
Observe a engenharia semântica. Na novilíngua orwelliana, “guerra é paz”, “liberdade é escravidão”, “ignorância é força”. Na novilíngua brasileira, “democracia” significa o regime em que um único ministro do Supremo pode bloquear uma rede social usada por 22 milhões de brasileiros, multar quem usar VPN para acessá-la e congelar os bens de uma empresa de satélites que nada tem a ver com o processo. “Golpe” significa questionar o resultado de uma eleição, algo que a esquerda fez em 2014, 2016 e 2018 sem que ninguém fosse preso. “Crime contra a democracia” significa pichar uma estátua com batom, crime pelo qual Débora Rodrigues dos Santos pode receber 14 anos de prisão, mais do que muitos homicidas.
Huxley temia que a verdade fosse afogada em um mar de irrelevância. Orwell temia que a verdade fosse proibida. No Brasil de 2025, conseguimos as duas coisas simultaneamente.
O globalnarcossistema e a autocracia dos não-eleitos
Para compreender o que acontece no Brasil, é preciso abandonar a ingenuidade de que se trata de uma disputa entre esquerda e direita, entre Lula e Bolsonaro, entre PT e PL. A verdadeira disputa é entre o povo brasileiro e uma elite transnacional que opera através de instituições que jamais passaram pelo crivo do voto. Chamemos essa estrutura pelo nome que ela merece: o globalnarcossistema.
O globalnarcossistema é a fusão de três forças: o capital financeiro internacional, que lucra com a instabilidade política; as organizações globalistas, que promovem a erosão das soberanias nacionais em nome de uma “governança global”; e o narcotráfico latino.americano, que financia campanhas, compra juízes e infiltra governos. No Brasil, essa fusão encontrou seus representantes perfeitos: uma imprensa concentrada nas mãos de famílias que pertencem a sociedades secretas como a Bucha; um Judiciário que se autonomeou guardião da democracia contra o povo; e um Executivo que governa por decreto enquanto finge respeitar o Congresso.
O Foro de São Paulo não é teoria da conspiração. É uma organização fundada em 1990 por Fidel Castro e Lula, que reúne partidos de esquerda de toda a América Latina com o objetivo declarado de “rearticular a esquerda” após a queda do Muro de Berlim. O Grupo de Puebla não é teoria da conspiração. É uma organização fundada em 2019 que inclui Lula, Alberto Fernández, Gustavo Petro e representantes do chavismo, dedicada a coordenar estratégias políticas continentais. As fundações de George Soros não são teoria da conspiração. São organizações que financiam movimentos políticos em dezenas de países, sempre no mesmo sentido ideológico.
Quando Davi Alcolumbre declara que “a anistia a golpistas não é um assunto dos brasileiros”, ele revela involuntariamente a verdade: para a classe política brasileira, os brasileiros não são sujeitos da democracia, mas objetos dela. O povo existe para votar, pagar impostos e calar. Quem discorda é golpista. Quem protesta é terrorista. Quem questiona é criminoso.
A mesma elite que hoje condena os “atos antidemocráticos” de 8 de janeiro aplaudiu as invasões do Congresso em 2013, justificou a ocupação de escolas em 2016, celebrou os acampamentos em frente a quartéis em 2018 e fingiu não ver quando militantes do MST invadiram fazendas, prédios públicos e até a embaixada do Brasil em Portugal. A diferença não está no ato. Está em quem o pratica.
A farsa da dosimetria e a capitulação do Centrão
O deputado Paulinho da Força, relator do projeto de anistia na Câmara, rebatizou sua proposta como “PL da Dosimetria”. O eufemismo é revelador. “Dosimetria” significa que os presos continuarão criminosos, apenas com penas menores. “Dosimetria” significa que Bolsonaro continuará condenado, apenas por menos tempo. “Dosimetria” significa que a narrativa do golpe será oficializada em lei, apenas com punições menos severas.
Isso não é anistia. É capitulação.
Anistia significa reconhecer que os crimes imputados não deveriam ser crimes. Significa admitir que o Estado errou ao processar, prender e condenar cidadãos por exercerem direitos constitucionais de manifestação. Significa devolver a liberdade não como favor, mas como reparação. A dosimetria, ao contrário, ratifica a perseguição. Diz aos 141 presos: vocês são mesmo criminosos, mas teremos a bondade de diminuir sua pena. Diz a Bolsonaro: você é mesmo golpista, mas deixaremos você morrer em casa em vez de morrer na cadeia.
Flávio Bolsonaro tem razão quando chama a dosimetria de “meia-bomba”. Eduardo Bolsonaro tem razão quando ameaça o relator com consequências internacionais. O erro da família Bolsonaro não está na intransigência. Está em imaginar que o Congresso brasileiro, dominado pelo Centrão fisiológico, terá coragem de enfrentar o STF. O Centrão não tem princípios. Tem interesses. E seus interesses, neste momento, estão alinhados com a manutenção do sistema que lhe garante emendas, cargos e impunidade.
Hugo Motta foi eleito presidente da Câmara com os votos do PL em troca de um compromisso: pautar a anistia. Agora, consulta os ministros do STF sobre a “viabilidade constitucional” do projeto. Traduzindo: pede permissão aos algozes para libertar as vítimas. Davi Alcolumbre, no Senado, sequer finge interesse. Está ocupado demais negociando a indicação de Jorge Messias para o STF e garantindo os interesses do Amapá na exploração do petróleo da Foz do Amazonas.
Senador Alcolumbre, permita-me uma observação direta: a liberdade do povo brasileiro vale mais do que todo o petróleo do seu estado. Os barris que o senhor negocia em Brasília serão extraídos, vendidos, queimados e esquecidos em uma geração. A decisão que o senhor tomar sobre a anistia definirá se o Brasil será uma república ou uma autocracia togada. Definirá se seus netos viverão em um país livre ou em uma Venezuela tropical. O petróleo é finito. A vergonha é eterna.
Os paralelos que a história oferece e a imprensa esconde
Enquanto o Brasil prende ex-presidentes por tentativa de golpe imaginária, os Estados Unidos arquivaram todos os processos federais contra Donald Trump. O procurador Jack Smith, que dedicou anos a perseguir Trump com a mesma obsessão que Alexandre de Moraes dedica a Bolsonaro, foi obrigado a reconhecer que a Constituição americana não permite processar um presidente em exercício. Os casos do 6 de janeiro e dos documentos de Mar.a.Lago foram encerrados. Trump governa. Seus perseguidores recuam.
A diferença não está na gravidade dos fatos. Está na existência de limites institucionais. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça não pode ignorar a Constituição para satisfazer a sede de vingança de seus procuradores. No Brasil, o STF reescreve a Constituição por decisão monocrática e chama isso de “defesa da democracia”.
Na Venezuela, Nicolás Maduro prendeu mais de 2 mil pessoas após as eleições de julho de 2024. O Conselho Nacional Eleitoral declarou sua vitória sem publicar as atas. A oposição apresentou provas de fraude em 80% das seções. Edmundo González, o verdadeiro vencedor, refugiou-se na Espanha. María Corina Machado vive na clandestinidade. O cientista político Steven Levitsky, de Harvard, classificou o episódio como “uma das fraudes eleitorais mais flagrantes da história moderna latino-americana”.
A imprensa brasileira cobriu a fraude venezuelana com indignação. A mesma imprensa que trata os questionamentos à eleição de 2022 como “crime contra a democracia”. A diferença, novamente, não está nos fatos. Está em quem os narra.
Na Colômbia, Gustavo Petro prometeu “Paz Total” e entregou guerra parcial. Os acordos com guerrilhas legitimaram grupos armados que agora controlam territórios inteiros. O ex-presidente Juan Manuel Santos, que ganhou o Nobel da Paz, critica abertamente a política de seu sucessor. Petro admitiu em julho: “Este governo não logrou a paz total”. Enquanto isso, o narcotráfico colombiano expande suas operações para o Brasil, o Paraguai e a Europa.
No México, a reforma judicial de 2024 estabeleceu que todos os juízes serão eleitos pelo voto popular. A medida foi vendida como “democratização do Judiciário”. Na prática, significa que os cartéis podem financiar candidatos a juiz da mesma forma que financiam candidatos a deputado. O peso mexicano desvalorizou 13%. Investidores fugiram. O embaixador americano emitiu alertas públicos.
Em Israel, Benjamin Netanyahu enfrenta processos por corrupção enquanto governa e conduz uma guerra. O Knesset aprovou lei ampliando o controle político sobre nomeações judiciais. Trump pediu publicamente o arquivamento do caso. A situação é tensa, polarizada, incerta, mas Netanyahu está livre, governando, decidindo. No Brasil, Bolsonaro está preso preventivamente porque supostamente tentou queimar uma tornozeleira.
O padrão é claro. Em países onde há limites institucionais, líderes de oposição são processados, mas não silenciados. Em países onde não há limites, a perseguição é absoluta. O Brasil está se aproximando perigosamente do segundo grupo.
A liberdade como categoria transcendente
Antes de ser uma questão política, a liberdade é uma questão espiritual. O cristianismo ensina que Deus criou o homem livre, dotado de vontade própria, capaz de escolher entre o bem e o mal. A liberdade não é uma concessão do Estado. É um dom divino que o Estado deve proteger, não suprimir. Quando um governo se arroga o direito de definir o que os cidadãos podem pensar, dizer e publicar, ele não está exercendo soberania. Está usurpando um atributo que pertence apenas a Deus.
Os filósofos da tradição ocidental compreenderam essa verdade de maneiras diversas. Para Aristóteles, o homem é um animal político cuja natureza se realiza na pólis livre. Para Tomás de Aquino, a lei humana deve conformar-se à lei natural e à lei divina, jamais contradizê-las. Para John Locke, os direitos à vida, à liberdade e à propriedade são anteriores ao Estado e não podem ser revogados por ele. Para Edmund Burke, a liberdade ordenada é o fundamento de toda civilização duradoura.
Os tiranos modernos rejeitam essa tradição. Para eles, a liberdade é uma variável dependente, subordinada a objetivos políticos definidos por uma vanguarda iluminada. Lenin acreditava que a liberdade burguesa deveria ser suprimida para permitir a liberdade proletária. Mao acreditava que milhões deveriam morrer para que a China pudesse “dar um grande salto”. Os globalistas contemporâneos acreditam que as soberanias nacionais devem ser dissolvidas para permitir uma “governança global” supostamente mais racional.
O resultado é sempre o mesmo: montanhas de cadáveres e mares de lágrimas.
A arte ocidental celebrou a liberdade de incontáveis maneiras. Beethoven compôs a Nona Sinfonia com a Ode à Alegria de Schiller: “Todos os homens se tornam irmãos / Sob tuas asas suaves”. Verdi escreveu o coro dos escravos hebreus em Nabucco, que se tornou hino do Risorgimento italiano: “Vai, pensamento, sobre asas douradas”. Smetana dedicou Má Vlast à pátria tcheca oprimida. Chopin derramou a dor da Polônia dividida em cada nota de suas polonaises.
No Brasil, Geraldo Vandré cantou que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” e foi exilado pela ditadura militar. A mesma esquerda que canonizou Vandré agora aplaude a prisão de quem questiona o sistema. A hipocrisia é tão grotesca que seria cômica, não fosse trágica.
O chamado à ação: táticas para uma revolução pacífica
Gene Sharp, o teórico americano da resistência não-violenta, catalogou 198 métodos de ação que cidadãos comuns podem empregar contra regimes autoritários. Desde boicotes econômicos até greves gerais, desde manifestações silenciosas até a simples recusa de cooperar com ordens injustas, Sharp demonstrou que nenhuma tirania sobrevive quando o povo retira seu consentimento.
O Brasil de 2025 não precisa de revolução armada. Precisa de despertar cívico. Precisa de cidadãos que compreendam que a obediência a leis injustas é cumplicidade com a injustiça. Precisa de consumidores que boicotem empresas que financiam a censura. Precisa de profissionais que se recusem a executar ordens inconstitucionais. Precisa de pais que eduquem seus filhos para pensar por conta própria, não para repetir as slogans do sistema.
A primeira tática é a informação. Compartilhe a verdade. Fale com seus vizinhos, seus colegas, seus familiares. Explique o que está acontecendo em termos que eles possam compreender. Não use jargões políticos. Use exemplos concretos. Pergunte: você acha justo que uma cabeleireira receba 14 anos de prisão por pichar uma estátua com batom? Você acha normal que um ministro do Supremo possa bloquear uma rede social usada por milhões de pessoas sem nenhum controle? Você acha aceitável que presos políticos morram na cadeia sem que seus pedidos de clemência sejam sequer analisados?
A segunda tática é a pressão institucional. Ligue para os gabinetes dos senadores. Envie e-mails. Compareça às audiências públicas. Exija respostas. Os políticos respondem à pressão. Quando percebem que suas bases eleitorais estão insatisfeitas, mudam de posição. Alcolumbre pode ignorar editoriais de jornais, mas não pode ignorar milhares de telefonemas de eleitores do Amapá.
A terceira tática é a organização comunitária. Forme grupos locais de cidadãos comprometidos com a liberdade. Reúnam-se regularmente. Discutam estratégias. Apoiem-se mutuamente. A atomização é a arma do tirano. A comunidade é o escudo do cidadão.
A quarta tática é a resistência econômica. Identifique as empresas que patrocinam a censura e o autoritarismo. Deixe de consumir seus produtos. Informe outros consumidores sobre suas práticas. O mercado é uma urna onde votamos todos os dias com nosso dinheiro.
A quinta tática é a persistência. Tiranias não caem em um dia. A liberdade não é conquistada em uma batalha. É conquistada em mil pequenas vitórias, acumuladas ao longo de anos. Não desanime. Não desista. Não aceite a narrativa de que a luta está perdida. Enquanto houver um brasileiro disposto a dizer a verdade, a tirania não terá vencido.
Aos senadores da República: um apelo e um aviso
Senhores senadores,
Vocês foram eleitos para representar o povo brasileiro, não para servi-lo de joelhos. A Constituição que juraram defender confere ao Congresso Nacional, e não ao Supremo Tribunal Federal, a prerrogativa de conceder anistia. O artigo 48, inciso VIII, é inequívoco. Não há espaço para interpretação criativa. Não há margem para subordinação voluntária.
Quando Alexandre de Moraes afirma que a anistia é inconstitucional, ele está usurpando uma competência que não lhe pertence. Quando o presidente do STF valida inquéritos perpétuos conduzidos sem as garantias do devido processo legal, ele está destruindo os fundamentos do Estado de Direito. Quando ministros indicam que derrubarão qualquer lei de anistia aprovada pelo Congresso, eles estão declarando que o Judiciário é soberano sobre o Legislativo.
Vocês aceitarão essa submissão?
O precedente que vocês estabelecerem agora determinará o futuro da República. Se curvarem-se ao STF, estarão ensinando a todos os futuros tiranos que o Congresso é um carimbador de decisões alheias. Se resistirem, estarão restaurando o equilíbrio entre os poderes que a Constituição de 1988 pretendeu garantir.
Senador Alcolumbre, o senhor tem em suas mãos uma escolha histórica. Pode continuar negociando cargos e emendas, acumulando poder para seu grupo político, garantindo os interesses do Amapá na exploração petrolífera. Ou pode entrar para a história como o homem que devolveu a liberdade ao Brasil. O petróleo da Foz do Amazonas será extraído por empresas estrangeiras, vendido em mercados internacionais, convertido em dólares que enriquecerão poucos e beneficiarão muitos apenas marginalmente. A liberdade do povo brasileiro, em contraste, é um patrimônio que não se esgota, não se exporta, não se negocia. É a condição de possibilidade de tudo o mais.
Deputado Hugo Motta, o senhor assumiu compromissos para chegar à presidência da Câmara. Compromissos são dívidas de honra. Se o senhor abandonar a anistia para evitar conflito com o STF, estará demonstrando que sua palavra nada vale. Se o senhor avançar com a dosimetria em vez da anistia verdadeira, estará traindo aqueles que confiaram em suas promessas. O Centrão sobrevive de acordos. Mas há acordos que definem um homem para sempre.
Aos demais senadores e deputados, de todos os partidos: vocês não devem lealdade a Lula, a Bolsonaro, a Moraes ou a qualquer outra figura transitória. Devem lealdade ao Brasil e à sua Constituição. Quando as gerações futuras estudarem este momento, perguntarão quem teve coragem de enfrentar a tirania e quem se acovardou diante dela. Perguntem-se, cada um de vocês: de que lado da história quero estar?
Conclusão: a aurora que não depende do amanhecer
Em V de Vingança, o protagonista mascarado declara que “as ideias são à prova de balas”. Moraes pode prender Bolsonaro. O STF pode intimidar parlamentares. A imprensa pode difamar dissidentes. Mas nenhum deles pode aprisionar a ideia de liberdade que arde no coração de milhões de brasileiros.
O Brasil já enfrentou tiranos antes. Enfrentou a monarquia absolutista e conquistou a independência. Enfrentou o Império escravocrata e aboliu a escravidão. Enfrentou a República Velha oligárquica e construiu uma nação industrial. Enfrentou a ditadura militar e redemocratizou-se. Em cada uma dessas encruzilhadas, houve quem dissesse que a mudança era impossível, que o sistema era forte demais, que a resistência era fútil. Em cada uma delas, os pessimistas estavam errados.
A anistia não é uma questão de esquerda ou direita. É uma questão de justiça. Cidadãos brasileiros estão presos por crimes que não existiam antes de serem cometidos, julgados por tribunais que não respeitam o devido processo legal, condenados a penas maiores do que as aplicadas a homicidas. Isso não é Estado de Direito. É arbítrio puro, decorado com togas e precedentes inventados.
A anistia não é um favor aos “golpistas”. É uma correção de rumo. É o reconhecimento de que o Estado brasileiro errou ao transformar uma manifestação em insurreição, um protesto em terrorismo, uma multidão desorganizada em organização criminosa. É a admissão de que, em uma democracia, o povo tem o direito de discordar do governo, questionar eleições e ocupar espaços públicos sem ser tratado como inimigo do Estado.
A anistia não é o fim da história. É o começo de uma nova fase. Uma fase em que o Congresso reassume seu papel constitucional. Uma fase em que o Judiciário volta aos limites de sua competência. Uma fase em que o povo brasileiro recupera a confiança de que sua voz será ouvida, não criminalizada.
Termino com as palavras de Aleksandr Solzhenitsyn, o grande escritor russo que sobreviveu aos gulags soviéticos e dedicou sua vida a denunciar o totalitarismo: “A linha que separa o bem do mal não passa entre Estados, nem entre classes, nem entre partidos políticos, mas pelo interior de cada coração humano”.
Senhores senadores, senhores deputados, brasileiros de todas as origens e convicções: a linha passa agora pelo Congresso Nacional. De um lado, a capitulação diante de um Judiciário que se tornou soberano. Do outro, a restauração de uma República onde o povo é senhor de seu destino.
Escolham. A história está assistindo. E a história não perdoa covardes.


